Ela
estacionou seu Volvo na garagem da imensa casa, pegou os sapatos de salto com
as mãos, pois eles machucavam muito seus pés, e adentrou aquele espaço que há
quinze anos chamava de lar. Foi até a cozinha, largando os sapatos e o casaco
pela sala de estar, e tomou um copo de suco. Dirigiu-se então até o banheiro do
andar de baixo, para não acordar àqueles que tanto amava com o barulho da água
enchendo a banheira. Tomou seu banho rápido, vestiu o roupão e saiu do
banheiro. Subiu as escadas e caminhou até os quartos de seu casal de filhos,
dando beijos e mais beijos em cada um de seus pequenos. Ainda vestindo apenas
seu roupão, ela abriu a porta de seu quarto, esperando encontrar o amor de sua
vida adormecido na grande cama de casal. Para sua surpresa, o mesmo estava
acordado, com a luz do abajur acesa. Ele tinha algo em suas mãos. Um pedaço
pequeno de papel fotográfico que, ela percebeu, foi tirado da caixa lilás à sua
frente. Aquela caixa. A caixa onde ela guardava suas melhores recordações de um
tempo que não voltaria mais. A caixa cuja existência sempre foi um segredo para
todos. Afinal, as recordações eram dela, apenas dela. Sempre foi muito egoísta,
e isso era um problema. Examinou melhor a foto na mão de seu marido, ela se
lembrava muito bem daquela foto. Era o retrato de uma paixão que dividira com
suas amigas mais próximas do ensino médio e, a partir daí, da vida. Elas nem ao
menos sabiam o nome daquele homem, mas eram fissuradas por ele. Descobriram seu
meio de transporte, bairro e dias de aula. Apenas o nome, era o que lhes
faltava. E então poderiam descobrir tantos detalhes quanto desejassem da vida
daquele misterioso e lindo homem. Aquela foto, especificamente, havia sido
tirada por uma delas em um dia qualquer, enquanto o observavam. Cada uma delas ganhou
uma cópia daquela única lembrança material que tinham dele. Voltou à realidade
e encarou o marido. Ele, estranhamente, sorria. Ela afastou a caixa, sentou-se
no colo do marido e o beijou. Ele, curioso, afastou seu rosto por apenas um
momento e perguntou:
-Posso, por acaso, saber o motivo de
você ter uma foto minha quando adolescente?