sexta-feira, 22 de março de 2013

Devaneio

Ela estacionou seu Volvo na garagem da imensa casa, pegou os sapatos de salto com as mãos, pois eles machucavam muito seus pés, e adentrou aquele espaço que há quinze anos chamava de lar. Foi até a cozinha, largando os sapatos e o casaco pela sala de estar, e tomou um copo de suco. Dirigiu-se então até o banheiro do andar de baixo, para não acordar àqueles que tanto amava com o barulho da água enchendo a banheira. Tomou seu banho rápido, vestiu o roupão e saiu do banheiro. Subiu as escadas e caminhou até os quartos de seu casal de filhos, dando beijos e mais beijos em cada um de seus pequenos. Ainda vestindo apenas seu roupão, ela abriu a porta de seu quarto, esperando encontrar o amor de sua vida adormecido na grande cama de casal. Para sua surpresa, o mesmo estava acordado, com a luz do abajur acesa. Ele tinha algo em suas mãos. Um pedaço pequeno de papel fotográfico que, ela percebeu, foi tirado da caixa lilás à sua frente. Aquela caixa. A caixa onde ela guardava suas melhores recordações de um tempo que não voltaria mais. A caixa cuja existência sempre foi um segredo para todos. Afinal, as recordações eram dela, apenas dela. Sempre foi muito egoísta, e isso era um problema. Examinou melhor a foto na mão de seu marido, ela se lembrava muito bem daquela foto. Era o retrato de uma paixão que dividira com suas amigas mais próximas do ensino médio e, a partir daí, da vida. Elas nem ao menos sabiam o nome daquele homem, mas eram fissuradas por ele. Descobriram seu meio de transporte, bairro e dias de aula. Apenas o nome, era o que lhes faltava. E então poderiam descobrir tantos detalhes quanto desejassem da vida daquele misterioso e lindo homem. Aquela foto, especificamente, havia sido tirada por uma delas em um dia qualquer, enquanto o observavam. Cada uma delas ganhou uma cópia daquela única lembrança material que tinham dele. Voltou à realidade e encarou o marido. Ele, estranhamente, sorria. Ela afastou a caixa, sentou-se no colo do marido e o beijou. Ele, curioso, afastou seu rosto por apenas um momento e perguntou:

-Posso, por acaso, saber o motivo de você ter uma foto minha quando adolescente?