sábado, 22 de março de 2014

Personagens

Hanna estava deitada na aconchegante cama de casal quando o ouviu sair do banheiro. Levantou os olhos do livro que estava em suas mãos por um segundo para olhar para ele. Tinha uma toalha amarrada à cintura e o cabelo – que há um tempo precisava de um corte – pingava, fazendo com que grandes gotas escorressem por seu rosto. Era uma das visões preferidas dela.
- Lendo, de novo? – Ele sorriu para ela com um olhar de falsa acusação. – Cadê você, Romeu? – A imitação falha de uma voz feminina a fez rir um pouco.
- É “Onde estás, Romeu?” – Ela fez biquinho. – E você sabe que eu não sou muito apegada aos clássicos. – Revirou os olhos, sorrindo.
- Perdão, senhorita. – Ele agora estava de costas para ela, vestindo a calça jeans, mas ela sabia que ele estava sorrindo. Sua voz transmitia isso. – O que é dessa vez, então?
- Romance. – Ela, relutante, admitiu. Sabia que ele faria piada mais uma vez de seus gostos literários. Não se incomodava, pois sabia que era apenas de forma carinhosa. De qualquer jeito, esticou o braço direito e prendeu uma almofada na mão, pronta para arremessa-la ao primeiro som de deboche.
- Nem pense – Ele vestiu a camisa branca, virando de frente para ela – em jogar isso em mim.
Ele deixou que seu corpo caísse sobre a cama, usando os braços para se manter elevado acima dela, encurralando-a. Hanna sorriu, fascinada. Seus olhos verdes brilhavam ao olhar para ele, e ele não sabia se ela tinha consciência disso. Começou a encara-la, constatando mais uma vez o quanto ele amava cada traço dela. Seus olhos eram lindos, e eram uma das poucas características físicas em si das quais ela se orgulhava. Ela achava seu nariz muito grande, mas ele discordava. Tudo o que via era harmonia perfeita. Olhou fixamente para os lábios dela. Os lábios nos quais ele havia se perdido tantas vezes, o labirinto do qual ele não queria sair. Ela nunca havia reparado, ele sabia, na perfeição daqueles lábios. O tamanho e a forma perfeitos.
- O que foi? – Ela sussurrou, sabendo que não precisava de mais do que isso para ser ouvida. Seu tom era entretido, mas ele reconhecia a hesitação por trás.
- Você é linda. – Ele disse ao pé do ouvido dela, e não esperou uma resposta. Em segundos seus lábios já estavam unidos, os dois se juntando como um só.
         - Você vai me desarrumar! – Ela se afastou dele, rindo, após alguns instantes. Suas bochechas estavam rosadas pelo calor, apesar de o ar condicionado estar ligado. O cabelo estava um pouco bagunçado, e a culpa realmente era dele.
         - A culpa não é minha. – Ele sorriu. – De você ser como é. – Ele deu de ombros, levantando da cama. Passou a mão rapidamente pelo tecido da camisa, alisando-a, e olhou mais uma vez para a mulher que amava. Ela estava se ajeitando também, colocando a alça do vestido de volta no lugar e guardando seu livro na bolsa. – Sobre esses seus livros... – Ele hesitou.
- Nem comece. – Ela revirou os olhos. – Não vai adiantar reclamar. Você sabe que eu não consigo sair de casa sem pelo menos um deles.
- Não ia reclamar. – Ele deu a língua pra ela, que retribuiu o gesto, parecendo uma criança. Ele amava isso nela. Céus, ele amava tudo nessa mulher. – Só queria saber uma coisa.
- Não vou te contar o final de livro nenhum. – Ela se levantou em seu salto e se aproximou, tocando o nariz dele com a ponta do indicador. – Já disse que se você quiser saber, terá que ler.
- Também não era isso. – Ele riu, passando os braços pelas costas dela e a segurando em um abraço apertado. Enterrou o rosto em seu cabelo macio e suspirou. – Você vai me deixar falar?
- Talvez. – Ele sentiu enquanto ela sorria em seu ombro ao mesmo tempo em que a mão dela fazia carinho em sua cabeça. – Se você não demorar muito.
- Eu só queria saber... – Ele hesitou. Há tempos tinha aquele pensamento. Não poderia correr o risco de perde-la, nunca. Precisava ser tão perfeito para ela quanto ela era para o mundo. – Nos livros que você lê, nos textos que você escreve, Han... Sempre tem o mocinho. O irritante que me mata de ciúmes a cada vez que faz você sorrir, chorar ou suspirar. – Ele acariciava suas costas, fazendo círculos com a ponta do dedo. – Eu quero saber o que eu tenho que fazer para ser como eles.
Hanna arfou, surpresa. Nem em seus textos mais românticos – que eram a representação de seus maiores sonhos – imaginou que ele chegaria a tal ponto por ela. A ponto de enxergar o fundo de sua alma e saber, de alguma maneira, como ser a pessoa certa. Ela sorriu.
- Você – Ela começou – está em cada um dos mocinhos de livro que eu leio. Insisto em imaginá-los com todas as suas características, mesmo quando os autores dizem o contrário. Você é cada um dos meus textos. Porque você é o responsável pelos meus sentimentos mais extremos. Então se você quer saber o que fazer para estar em um deles... – Ela respirou fundo. – Sinto muito, mas não há nada a fazer. Você não pode escolher se está lá ou não. Não é opção sua. Você já está.
Ele sorriu e beijou-a profundamente. Ficaram ali, sentindo que eram um só, por mais tempo do que deveriam. Esqueceram-se do mundo. Esqueceram-se do cinema que os esperava. Permitiram, apenas por aquela noite, que nada mais existisse. Eram apenas os dois, sozinhos, e o lindo mundo em que viviam.


sábado, 22 de fevereiro de 2014

Ramificação

Ela pegou as chaves do apartamento e abriu a porta. Tudo parecia tão igual que chegava a dar raiva. No dia anterior, ela amava aquele lugar. Naquele momento, no entanto, seus nervos estavam à flor da pele, e tudo parecia querer irritá-la. Parecia que os pássaros, ao cantarem, estavam debochando da sua cara. As árvores, tão comuns, pareciam se fechar à sua frente, para isolá-la. E isso a enfurecia! Ah, mas que ódio. E ela sabia que nada daquilo era assim. O pior de tudo era que ela sabia a razão de estar tão chateada, tão enraivecida. Era ele. Era, na verdade, a cena que ela havia presenciado. Cena na qual ele estava presente. Até aí, tudo bem. Qual seria o problema de cruzar com sua paixão de criança na rua? Nenhum, é claro. Isso só traria saudades. O problema começou quando ela viu a pessoa ao lado dele. Uma mulher loira, não muito bonita - ele merecia mais, ela acreditava - segurava seu braço, como se ele fosse um chaveiro, um objeto. Ah, mas aquilo pareceu tão errado! Não que ela ainda o quisesse, imaginem. Ela só tinha por ele um carinho tão imenso, uma preocupação tão gigantesca. Um amor tão infinito! Era irônico pensar que vinte anos depois de ter se apaixonado por ele, ela - agora com vinte e sete anos, um casamento maravilhoso e uma filha linda de apenas um aninho - ainda gostaria tanto dele. Tantas foram as vezes em que disseram a ela que aquilo era bobagem, coisa de criança, que aquilo acabaria. Incontáveis as maneiras de reprimi-la que encontraram, tentando convencê-la de que era errado achar que realmente gostava dele. Ah, mas ela sabia que duraria pra sempre. Ela sabia como era o amor, e sabia que era aquilo. Não, isso não significa que ela trocaria qualquer coisa em sua vida para tê-lo. Como eu disse, não era desejo. Era amor… Um amor puro, inocente, de criança! E ela se importava demais com ele… Não queria, de jeito nenhum, que ele se machucasse. E esse era o motivo da raiva. Ao olhar para ele com aquela loira, ao ver a forma como ela o tratava, tudo se tornou tão obscuro. Porque, no fundo, ela sabia que ele iria se machucar, e que ela não poderia fazer nada para impedir. Parou de refletir tanto quando viu, caminhando em sua direção, o homem da sua vida, com a joia mais preciosa dos dois no colo. Sorriu e beijou o marido, esquecendo de todos os problemas.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Ligação

Com os olhos já inchados após tantas lágrimas escorridas, ela resolve, finalmente, ligar para ele. havia ponderado por muito tempo para tomar tal decisão, e estava completamente certa do que falaria.
- Eu já não te disse que preciso de um tempo para pensar?
- Por favor, me deixe falar. Eu não estou ligando para o meu namorado, ou ex, nesse momento. Não. Há um minuto eu peguei meu antigo aparelho de telefone - aquele que eu tinha antes de começarmos a namorar, lembra? - coloquei o chip e procurei na agenda o contato “irmão”. Liguei para esse número, o que me garante que, agora, estou falando com o meu melhor amigo. Aquele que me escutava mesmo quando eu estava insuportável, aquele que queria o meu bem e deixava isso extremamente claro…
- Mas, Han…
- Eu quero falar, posso? Eu peguei o telefone, depois de muito chorar, porque eu percebi a falta que o meu melhor amigo fazia nesse meu momento de tristeza. Eu percebi que era do abraço dele que eu precisava, das piadas bobas dele tentando me fazer sorrir, mesmo quando tudo o que eu quero no mundo é chorar até não sobrar uma gota sequer de água dentro de mim. Por isso eu resolvi ligar para você. O você de antes, o que me chamava de irmãzinha e implicava com o meu cabelo. E, Dougie, foi isso que eu fiz. O que quero te contar agora é sobre o garoto que partiu meu coração. Não, perdão. Ele não fez nada de errado. A culpada da história fui eu, mais uma vez. Quem criou expectativas, esperanças e depositou fichas nesse relacionamento fui eu. Lembra, Doug, como eu sempre me precipitava sobre todos os garotos dos quais gostava, e acabava quebrando a cara no final? Pois então, com esse eu achei que seria diferente. Sim, mais uma vez. Você deve estar rindo da minha ingenuidade agora, não é mesmo? O que está usando para tampar o telefone?
- Você me disse que queria falar.
- E quero. Muito obrigada. Então, como eu disse, mais uma vez eu depositei esperança demais em algo do qual eu não tinha garantias. Acreditei profundamente nesse amor que eu sinto por ele, e achava que seria suficiente. Mas, adivinha, Doug? Não foi. De novo. Ele nunca me garantiu nada, sabe? Nunca disse que tinha certeza do que sentia por mim do mesmo jeito que eu confiava profundamente no que sentia por ele. Mas por mim estava tudo bem, eu não me importava, contanto que o tivesse ao meu lado. Pelo menos, eu achava que assim seria. Mas não aconteceu. Mais uma vez eu estava errada sobre a minha pessoa. Sabe, Dougie, é impressionante o quanto você conhece de mim. Tenho certeza que, se eu tivesse contado isso a você com essas palavras antes, você teria me advertido do final, não é mesmo? Então, Doug… Eu o amo. Muito. No entanto, não acredito que haja reciprocidade. Apesar de ele ter me garantido que me ama, eu tenho medo. Medo de que o amor dele não seja o mesmo que o meu. Ah, Dougie, não sei o que fazer. Sei que estou sendo imbecil mais uma vez, mas eu não quero perdê-lo.
- Vou ter que desligar.
- Porque, Doug? O que aconteceu?
- Preciso dar uma lição em um idiota que machucou o coração da minha irmã.
- Pare de palhaçada, seu bobo.
- E, enquanto eu faço isso, você me faz um favor?
- Sempre.

- Destroque o aparelho do telefone. Algo me diz que um tal “amor” quer falar com você.