quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Dieta

Nunca aprendi
E ainda não sei
Como me privar
Do que acho bom.

Por isso que eu ainda
Me entupo de chocolate,
Durmo o dia inteiro
E procuro por você...

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Shipp

O mais estúpido, amiga, é que eu sei o motivo de eu insistir tanto nesta história. Não é por gostar dele especificamente. Não tem nada nele que me encante de primeira, e as manias dele me assustam. A vida dele é, basicamente, o oposto do que eu quero pra minha. Só que eu shippo a gente. Exatamente isso, shippar mesmo. Aquela linguagem de gente de 14 anos que a Globo ta tentando incorporar nos núcleos adolescentes das novelas. E eu sei que eu sou velha demais pra isso, mas é ridículo o quanto é verdade. Meu apego, eu concluí, não é com o “nós” real. É com os personagens incríveis que a gente faria. Quer dizer, vamos do início. Lá no primeiro dia de todos, ele começou me dando toda a atenção do mundo. Deixou que eu limpasse a tinta néon da minha mão nas roupas dele. Cena bem clichê, sabe? Daquelas que dá pra imaginar numa série do Boomerang (se é que o Boomerang ainda existe. Tô velha, já falei). Depois disso, veio a maldita da piadinha. “Nessa você me pegou”, eu disse, respondendo a uma pergunta complicada. Nada mais natural, certo? Até seria, se ele não tivesse respondido com o tal do “não, eu ainda não te peguei, mas calma” e saído andando rindo, como se não tivesse acabado de dizer isso. Eu sei que não existe piadinha mais idiota, mas eu já tava boba por ele, sabe? A coisa da tinta me fisgou na hora. E aí pronto, a piadinha foi aspecto número dois. Meio American Pie, talvez, mas ainda um fator shippável. Ainda nesse dia, o belo momento em que eu, apesar de morta de sono, estava louca pra provar aqueles lábios, e aí ele apareceu pedindo pra eu não dormir, me desafiando a manter os olhos abertos. “Porque se você fechar”, ele disse, “eu não vou conseguir me segurar e vou ter que te dar um beijo”. Pronto, finalmente, eu pensei. Fechei os olhos imediatamente, fazendo meu máximo para não apertá-los de tão ansiosa que estava. Quer coisa mais sessão da tarde?? E, socorro, amiga, que beijo bom. Daquele momento até o final do dia foi tudo uma cena de Malhação. A gente ali em paz naquela sala, fingindo que o mundo era nosso e que aquele dia não acabaria nunca.
Mas acabou. E, infelizmente, o casal protagonista de tantas histórias não acabou junto. Eu tô te falando que nossos eu-líricos são shippáveis. Você duvida? Ele me levou pra ver o pôr-do-sol em um mirante à beira da praia. Esse foi o nosso tal de primeiro encontro. Digno de comédia romântica clássica, eu sei. Começou a tocar Garotos, do Leoni, no segundo em que a gente se beijou, caramba! Vai dizer que isso não é coisa de filme?! Um tempinho depois, num jogo de eu nunca, surge o “eu nunca namorei” “eu também não” “ai meu Deus como não, você é velho!” “nunca gostei de ninguém o suficiente pra isso”, ele diz e sorri maliciosamente pra mim. E o meu sorriso em resposta é tudo, menos malicioso. A gente se encontrou depois, mal se falou e ele só faltou se morder de ciúmes porque eu ia pra boate em seguida. Fez eu me achar especial. Aí sumiu e, de repente, veio a d-r-sem-existir-a-tal-da-r. Porque discutir relação sem ter relação é muito coisa de personagem de livro, a gente ia ter que fazer isso em algum momento. O drama da cena ainda aumentou comigo chorando no banheiro e ele lá, na cozinha com outra. Season finale de alguma série adolescente, com certeza. Ou mid-finale, talvez. O tempo passa e (não, um dia não vem na porta um senhor de alta classe com dinheiro na mão) a gente vai e volta. Ninguém quer realmente se entregar, mas ninguém consegue resistir. E aí a gente se toca e já era o mundo. Casal de mocinhos, não disse? Vem discussão sobre o quanto eu sou boa demais pra ele e o quanto aquilo é errado. Tem coisa mais certa (e mais plot) do que discussão sobre o quanto algo é errado? Não dá pra não shippar! Lutar contra as expectativas é um dos principais fatores que fazem as pessoas torcerem por um casal. Eu sei, porque eu sempre torço. A história continua e, em um dia muito importante pra mim, ele é o único a ligar. Me colocou num pedestal e mais uma vez me disse o quão incrível eu era. Me confessou que escrevia poesia. Fudeu tudo. Como não querer que a mocinha fique com o cara que escreve poesia, me diz? Não dá! Prometeu me mostrar umas. Me beijou. E lá estávamos de novo, sendo o casal perfeito, mostrando pra todo mundo quanta química a gente tem. Mas são os nossos personagens, não esqueça, não somos nós de verdade. Eles (ou nós, nesse caso) ficam juntos nesse dia de novo e aí ele some. Típico dele, típico de mocinho de série que não sabe o que quer. Ou que sabe mas não gosta do que sabe. Ela cobra as poesias, ele manda e ela ama uma delas. Recita até decorar. Fica se imaginando recitando para ele em um momento íntimo, dando pequenos beijos a cada verso. Ela se perde nesses pensamentos e precisa ser lembrada que não é ele; é um personagem! Ele some de vez e ela precisa de atenção. Surge alguém do passado dela e volta a fazer parte do cast principal por um tempo. Ela fica toda boba. Se apaixona pelo moço antigo que voltou. Ele quebra as esperanças dela em pedacinho. Moço mau, ninguém gosta de você, sai dessa série, sai desse filme, não era nem pra ter se metido no meio do casal principal!
Ela está na fossa, é véspera do aniversário do moço mau. Faz um mês que eles não se vêem e ela só consegue pensar no quanto está carente. A amiga dá uma festa e ela vai, obviamente. O protagonista está lá, mais obviamente ainda. Chega com uma amiga linda, que ela a princípio acha que é mais que isso. Apesar de estar na fossa por outro, ela se incomoda com a presença da moça bonita que acompanha o mocinho da história. “Por que ele pode ter alguém e eu perdi o meu?”, ela se pergunta, “e por que ela tem que ser tão mais bonita que eu?”. A última, ela recorda, era mais bonita mas não tinha essa vibe de gente boa. Essa nova não tinha um defeito sequer. Ela respira fundo e lembra que está na fossa por outro. Passa a noite recebendo uma atenção um pouco anormal do protagonista, que já estava sumido há muitos capítulos. Prefere evitar ele porque seria injusto retribuir. Ela estava na fossa, afinal. “Mas que se dane a fossa”, é o que ela pensa ao beijá-lo de volta quando vê a boca dele se aproximando. O mocinho dela era esse, não o coadjuvante que esteve na história por dois ou três episódios. Se entrega ao seu protagonista quase completamente. Só não dá tudo de si porque tem medo das consequências. Ela é uma mocinha de livro adolescente, lembre-se. Valoriza o romance do dia seguinte. O café na cama. Eles dormem juntos sem fazer nada além disso. Quer coisa mais filme de amorzinho do que o garoto topar (e sugerir, aliás) a conchinha sem ganhar o sexo? Isso nem deveria acontecer na vida real. Mas não é a vida real, eu te lembro, é a vida dos nossos personagens, meu e dele. Ele diz as coisas mais bonitas do mundo pra ela esse dia. Diz, mais uma vez, que ela é boa demais pra ele e que tem mil motivos para isso. Que esses motivos estão escritos lá no computador dele. Ela morre de curiosidade e de orgulho por servir de inspiração. Não quer nada além disso. Faz ele prometer que vai deixar ela ver o tal texto. Ele diz que a mãe dele ia adorar ela, e ela cora. Ele a chama para mil programas, e ela sabe que ele vai esquecer tudo no dia seguinte. Mas será que ele esqueceria até do filme do Chico?

Ele esquece. Ela cobra o texto, ele disfarça enviando outra coisa qualquer. Ele some de novo. Os amigos dele, como bons coadjuvantes de comédia romântica, zoam os dois sempre que possível. As amigas dela, como boas amigas de protagonistas, tentam ajudar. Mas ninguém pode interferir. É a história dos dois, entende? Eles se encontram mais uma vez em uma festa e ignoram o clima que surge. Mal se tocam. Ela sai do lugar com a cabeça girando, pensando em como será o próximo capítulo, o próximo episódio, a próxima temporada, a sequência do livro ou do filme. Eu falei que é difícil não querer que esses personagens fiquem juntos. É difícil até pra mim, que sei que isso é só a nossa fachada. Mas você entende que é uma fachada shippável demais pra eu deixar de lado? Até os nomes se juntam fácil pra fazer nome de casal...Eu sou escritora, sou leitora, sou espectadora e sou menininha. Jamais vou conseguir não torcer para esse casal. O que é péssimo, porque esse casal nem existe de verdade.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Exposição

Estão na mesa
Todas as cartas
As que eu já escrevi
E as que eu tinha nas mangas.

As palavras não ditas
E as jogadas não feitas
Todas expostas
Pra quem quiser ver.

Demorou, mas aprendi
Que esconder o jogo,
Assim como prender o verbo,
Nunca dá certo.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Prioridade

Eu tinha acabado de acordar quando o telefone tocou. Tinha tido uma daquelas noites longas e super divertidas das quais a gente se arrepende no dia seguinte. Estava tentando curar a ressaca com mais bebida quando peguei no sono, mais ou menos uma hora antes de ela ligar. Acordei ainda confuso, querendo água, e fui interrompido pelo toque e o nome dela na tela. Não falei mais que dez palavras e não esperei mais que dois minutos para vê-la na minha porta. Até por baixo da leve mancha de rímel ela estava linda. Os olhos dela, que já eram pequenos, estavam inchados e, por isso, quase não dava pra ver aquelas pupilas verde escuras que eu tanto adorava encarar. O batom vermelho começava a sumir nos lábios, notável apenas em algumas partes. O cabelo estava solto ao natural, ao contrário do que ela fez da única vez que a gente saiu oficialmente, quando estava mais comprido e caía em uma trança de lado. Uma parte de mim se perguntou se ele já tinha expressado preferência pelo cabelo solto, pra ela usá-lo assim, ou se eu tinha sido especial de alguma maneira. Ela também variou na roupa. Comigo, era sempre um vestido ou uma saia. À minha porta, ela vestia uma calça jeans detonada, uma blusa preta de renda que mostrava mais do que era saudável para minha sanidade e uma mini-bota com salto baixinho, que já a deixava mais alta que eu.
Estava linda.
Mais do que o normal.
Fiquei refletindo que tipo de babaca deixaria uma mulher daquelas sozinha, esperando por ele, em plena pedra do Arpoador. Céus, que tipo de imbecil o faria em qualquer lugar do mundo? Aquelas unhas vermelhas recém-feitas e aquele perfume que mudava sempre, quem seria burro o suficiente para dizer não àquilo? Não que eu estivesse disposto a me comprometer, e ela sabia disso, mas eu jamais deixaria de lado um momento com aquela mulher, por mais breve e passageiro que ele fosse, como deveria ser. Xinguei mentalmente a minha natureza e a dela, por não combinarem, e ofendi principalmente o mentecapto que a deixou tão abalada naquela noite. Uma pequena parcela minha, no entanto, agradeceu a ele por ter sido a razão de eu ter aquela vista maravilhosa bem à minha frente naquele momento.
Antes de puxá-la para um beijo que evoluiria para muito mais, soltei - sem nem perceber - um discreto "uau".

Substituto

Respirei fundo pela milésima vez naquele minuto e puxei o celular do bolso pelo que também parecia ser a milésima vez. Sabia o que estava prestes a fazer, e sabia que não era certo. Não me importava mais, no entanto. Corri o dedo pela agenda de contatos e parei no nome que martelava na minha cabeça. Ele não demorou a atender.
- Hanna? - Ele parecia confuso, talvez um pouco sonolento, com certeza com ressaca, apesar de já passar das oito da noite. Bêbado, talvez, concluí. - Tudo bem?
- Você tá em casa? - Disparei a falar. - Eu ia encontrar uma pessoa no Arpoador e... E ele não apareceu. E eu não sabia o que fazer e não podia voltar pra casa. É a primeira vez que o meu pai sabe que eu estava indo encontrar alguém, entende? É a primeira vez que eu achei que era importante o suficiente pra ele saber. E aí a criatura não apareceu. - Já sentia as lágrimas escorrendo, e a voz começava a ficar atrapalhada. - Eu fiquei esperando mais de uma hora em frente a pedra, mandei mensagem, liguei e nada dele. Ele realmente me deu um bolo! E eu não tô em condição nenhuma de voltar pra casa, não dá. Então eu tava andando pela orla, tentando decidir o que fazer, e eu vi a sua rua. E eu meio que reconheci o seu prédio e agora eu tô aqui em frente a ele parada que nem uma idiota, com a maquiagem borrada e arrumada demais pra não ser vista por ninguém. Quero dizer, óbvio que um monte de gente na rua tá me vendo, inclusive me vendo passar esse vexame, mas eu me arrumei mesmo, sabe? Eu achei que ele valia a pena. E eu já estava imaginando uma expressão surpresa quando ele olhasse pra mim, talvez até um "uau" e um segundinho de perplexidade, mais ou menos como você fazia, lembra? A gente nunca prestou junto, mas sempre soube se valorizar, né? A gente sempre gostou de olhar um pro outro, e eu tô precisando de alguém que goste de olhar pra mim agora. Talvez um pouco mais que olhar, não sei, mas olhar com certeza. É difícil tomar bolo, sabia? A gente se sente um lixo. - Me interrompi por um segundo, respirei e limpei as lágrimas. - E eu realmente queria saber se você tá em casa.
- Tô ligando pra portaria, sobe.