sábado, 22 de fevereiro de 2014

Ramificação

Ela pegou as chaves do apartamento e abriu a porta. Tudo parecia tão igual que chegava a dar raiva. No dia anterior, ela amava aquele lugar. Naquele momento, no entanto, seus nervos estavam à flor da pele, e tudo parecia querer irritá-la. Parecia que os pássaros, ao cantarem, estavam debochando da sua cara. As árvores, tão comuns, pareciam se fechar à sua frente, para isolá-la. E isso a enfurecia! Ah, mas que ódio. E ela sabia que nada daquilo era assim. O pior de tudo era que ela sabia a razão de estar tão chateada, tão enraivecida. Era ele. Era, na verdade, a cena que ela havia presenciado. Cena na qual ele estava presente. Até aí, tudo bem. Qual seria o problema de cruzar com sua paixão de criança na rua? Nenhum, é claro. Isso só traria saudades. O problema começou quando ela viu a pessoa ao lado dele. Uma mulher loira, não muito bonita - ele merecia mais, ela acreditava - segurava seu braço, como se ele fosse um chaveiro, um objeto. Ah, mas aquilo pareceu tão errado! Não que ela ainda o quisesse, imaginem. Ela só tinha por ele um carinho tão imenso, uma preocupação tão gigantesca. Um amor tão infinito! Era irônico pensar que vinte anos depois de ter se apaixonado por ele, ela - agora com vinte e sete anos, um casamento maravilhoso e uma filha linda de apenas um aninho - ainda gostaria tanto dele. Tantas foram as vezes em que disseram a ela que aquilo era bobagem, coisa de criança, que aquilo acabaria. Incontáveis as maneiras de reprimi-la que encontraram, tentando convencê-la de que era errado achar que realmente gostava dele. Ah, mas ela sabia que duraria pra sempre. Ela sabia como era o amor, e sabia que era aquilo. Não, isso não significa que ela trocaria qualquer coisa em sua vida para tê-lo. Como eu disse, não era desejo. Era amor… Um amor puro, inocente, de criança! E ela se importava demais com ele… Não queria, de jeito nenhum, que ele se machucasse. E esse era o motivo da raiva. Ao olhar para ele com aquela loira, ao ver a forma como ela o tratava, tudo se tornou tão obscuro. Porque, no fundo, ela sabia que ele iria se machucar, e que ela não poderia fazer nada para impedir. Parou de refletir tanto quando viu, caminhando em sua direção, o homem da sua vida, com a joia mais preciosa dos dois no colo. Sorriu e beijou o marido, esquecendo de todos os problemas.