Ela pegou as chaves do apartamento e abriu a porta. Tudo
parecia tão igual que chegava a dar raiva. No dia anterior, ela amava aquele
lugar. Naquele momento, no entanto, seus nervos estavam à flor da pele, e tudo
parecia querer irritá-la. Parecia que os pássaros, ao cantarem, estavam
debochando da sua cara. As árvores, tão comuns, pareciam se fechar à sua
frente, para isolá-la. E isso a enfurecia! Ah, mas que ódio. E ela sabia que nada
daquilo era assim. O pior de tudo era que ela sabia a razão de estar tão
chateada, tão enraivecida. Era ele. Era, na verdade, a cena que ela havia
presenciado. Cena na qual ele estava presente. Até aí, tudo bem. Qual seria o
problema de cruzar com sua paixão de criança na rua? Nenhum, é claro. Isso só
traria saudades. O problema começou quando ela viu a pessoa ao lado dele. Uma
mulher loira, não muito bonita - ele merecia mais, ela acreditava - segurava
seu braço, como se ele fosse um chaveiro, um objeto. Ah, mas aquilo pareceu tão
errado! Não que ela ainda o quisesse, imaginem. Ela só tinha por ele um carinho
tão imenso, uma preocupação tão gigantesca. Um amor tão infinito! Era irônico
pensar que vinte anos depois de ter se apaixonado por ele, ela - agora com
vinte e sete anos, um casamento maravilhoso e uma filha linda de apenas um
aninho - ainda gostaria tanto dele. Tantas foram as vezes em que disseram a ela
que aquilo era bobagem, coisa de criança, que aquilo acabaria. Incontáveis as
maneiras de reprimi-la que encontraram, tentando convencê-la de que era
errado achar que realmente gostava dele. Ah, mas ela sabia que duraria pra
sempre. Ela sabia como era o amor, e sabia que era aquilo. Não, isso não
significa que ela trocaria qualquer coisa em sua vida para tê-lo. Como eu
disse, não era desejo. Era amor… Um amor puro, inocente, de criança! E ela se
importava demais com ele… Não queria, de jeito nenhum, que ele se machucasse. E
esse era o motivo da raiva. Ao olhar para ele com aquela loira, ao ver a forma
como ela o tratava, tudo se tornou tão obscuro. Porque, no fundo, ela sabia que
ele iria se machucar, e que ela não poderia fazer nada para impedir. Parou de
refletir tanto quando viu, caminhando em sua direção, o homem da sua vida, com
a joia mais preciosa dos dois no colo. Sorriu e beijou o marido, esquecendo de
todos os problemas.