Jullie estava em um momento simples,
comum. Estava apenas tomando seu café diário e, por sempre estar preocupada,
estudando para a prova que teria alguns dias depois daquele. Estava
concentrada, compenetrada no livro à sua frente e na xícara de café já frio ao
seu lado. Foi quando algumas daquelas palavras chamou sua atenção. Olhou para
os lados ansiosa, procurando a origem da voz que a distraiu, e finalmente
conseguiu enxergar uma menina muito bonita, de uns catorze anos, com lágrimas
escorrendo dos olhos, tão azuis que ela podia ver do outro lado da cafeteria,
encarando fixamente o tampo da mesa, enquanto um menino bastante charmoso,
aparentemente seu irmão, a abraçava. Ela contava a ele sobre seu mais recente
amor, que a havia deixado por uma qualquer. O menino, que aparentava um ou dois
anos a mais que a menina, tinha em seus olhos castanhos uma expressão de raiva
acompanhada de compaixão. Percebia-se facilmente que aquela que estava em seus
braços era seu maior tesouro. Jullie largou a página de seu livro que ainda
segurava e, por um momento, lembrou-se de uma de suas decepções amorosas. A que
menos tinha durado mas, mesmo assim, havia deixado marcas inapagáveis.
Lembrou-se do quanto sofreu por um moleque do qual ela nem mais possuía o
telefone. Naquela época isso parecia tão grande! Tão impossível de ser curado…
Teve vontade de caminhar até a garota e contar a ela sua história. Explicar a
ela que hoje - com seus vinte anos e sua vida tão ocupada e preenchida com a
faculdade de jornalismo, o estágio em uma grande rede de jornais e a ONG da
qual era voluntária no tempo livre - o máximo que ela sentia daquela época em
que sofreu por um moleque era nostalgia. Sim, nostalgia até mesmo da tristeza,
pois aquele era um sentimento nobre. Só ficam tristes aqueles que se entregam.
Ainda escutando a conversa do casal, observou-os atentamente. Sorriu enquanto o
menino enxugava as lágrimas da menina, pois viu o olhar do mesmo. Percebeu que
o menino, na verdade, não era irmão da menina frágil em seus braços. Seu curso
de interpretação de expressão corporal, feito ao mesmo tempo que tantos outros
apenas para ocupar sua cabeça na época em que sofria por um moleque, a ajudou
naquele momento a decifrar o amor escondido que havia naquele menino. E Jullie
então percebeu que aquele casal tinha um longo futuro pela frente, e que o
menino cuidaria muito bem do tesouro que tinha nos braços. Recolheu suas
coisas, levantou, dirigiu-se até o caixa e, no caminho, sorriu para o menino
que a fitava curioso. Ela pagou sua conta e foi embora, certa de que aquela
menina um dia estaria tão bem quanto ela estava naquele momento.