Foi totalmente por impulso. Só sei que, quando percebi, já estava no saguão do seu prédio, aquele lugar tão familiar, dando bom dia para o porteiro, aquele que começou a trabalhar aí há pouco tempo. Ele não me reconheceu e isso me matou um pouco por dentro. Em circunstâncias normais, seria preciso menos de uma semana para que eu fizesse amizade com ele. Mas as circunstâncias não são normais. Antes de ele perguntar meu nome, sua vizinha de frente apareceu. A Simpática. Ela, sim, se lembrou de mim na hora. Já veio me abraçando e dizendo para o porteiro que eu estava com ela. Cumprimentei-a e fomos até o elevador. Enquanto ele não chegava, a ansiedade começava a me atingir. Eu queria apertar logo a sua campainha, eu queria te ver. Eu queria que você me recebesse como já fez tantas vezes, com o mesmo sorriso no rosto e um brilho cada vez maior no olhar. O stress foi diminuindo. "Você está tão bonita!", eu queria que tivesse sido você, mas foi a Simpática que disse. Suspirei e agradeci, aproveitando para abrir a porta do elevador que havia acabado de chegar, e dar passagem para ela. "Sabe" ela continuou, parecendo receosa "ele tem estado bem mais saidinho depois que você parou de vir. Mais meninas vêm, e nenhuma delas é tão bonita quanto você". O olhar em seu rosto era de cautela. "Não que eu queira me meter nem nada, mas ele está esquisito". Não senti raiva dela, por incrível que pareça. Ela não fez nada além de ser sincera. De repente, uma onda de pânico me atingiu. É claro que eu sabia que você trazia outras. Eu conhecia bem essas outras, tinha uma lista mental de cada uma das meninas que eu sabia que estariam disponíveis para você assim que a gente se afastasse. Mas o medo de tocar a sua campainha e dar de cara com uma delas me congelou. Um rosto específico, o daquela que mais me preocupava, começou a dominar minha mente. Naqueles poucos segundos de elevador, imaginei todo tipo de cenário. Doeria tanto se você abrisse a porta e ela estivesse atrás, deitada no sofá, cobrindo a nudez com um lençol. Mas seria ainda pior se ela viesse à porta logo atrás de você, diretamente da cozinha, com um coque mal-feito e o nariz sujo de farinha. Essa era uma das nossas coisas banais. Eu ficava apavorada só de imaginar que ela poderia roubá-la. Respirei fundo. A porta do elevador abriu e eu percebi que a Simpática a estava segurando para mim. "Tchauzinho então, foi um prazer te ver!", ela disse, logo antes de abrir a porta de casa e me deixar sozinha no corredor. Comecei a surtar de preocupação. Não estava preparada para ver você com outra na sua casa. Já tinha cruzado com você em uma festa, dois churrascos e alguns bares, sozinho e acompanhado, e tinha até orgulho de ter sabido lidar tão bem com essas ocasiões. Mas pra ver alguém na sua casa eu não estava pronta, e nem achava que poderia ficar. Pensei em desistir, percebi que era o melhor a fazer. O elevador já tinha mudado de andar, subido muito. Bufei e apertei o botão. Ouvi um barulho de chave vindo da porta da sua casa. Amor, eu não acho que tenha ficado tão paralisada assim nem quando a gente achou que meu pai tinha acordado no meio da noite, lá em Búzios, lembra? Sua mãe e sua irmã saíram do seu apartamento. Tem um pouco mais de um mês que a gente terminou, mas como a sua irmã mudou! Por que ela parou de usar maria-chiquinhas, você sabe? Continua linda (isso é de família), mas agora aparenta bem mais do que os seis anos que tem. As duas demoraram a me ver, mas quando o fizeram, pareceram felizes, assim como eu estava. Não havia percebido o quanto eu sentia falta da sua família. Eles eram um pouco meus também, sabe? Sua mãe me cumprimentou primeiro, dizendo que estava com saudades. A pequeneninha eu abracei e peguei no colo, fiz questão de sentir o cheiro de shampoo infantil dela pelo máximo de tempo possível. Tudo na minha vida era tão adulto, tão sério, sua irmã era o melhor refresco do mundo, e eu sentia demais a falta dela. Um pedaço do meu cérebro, aquele que só pensa em você, fez questão de perceber que, se elas estavam ali e não pareciam nem um pouco incomodadas, não devia ter nenhuma mulher com você. Isso me fez abraçar sua irmã com ainda mais força. Ela riu quando eu fiz cócegas antes de colocá-la no chão, e então me encarou, com a expressão no auge da seriedade de uma criança de seis anos. "Eu não sei porque você e meu irmão terminaram" ela começou e eu fiquei com medo de ter que explicar tudo pra ela, bem ali. Eu não saberia explicar uma coisa que nem eu entendia. "Mas seja lá o que for, ele sente muito mesmo. Eu sei porque as vezes eu escuto as coisas que ele fala pro papai, e várias vezes ele fala que não consegue dormir por sua causa. Antes eu achava que era porque vocês tinham brigado, mas já faz um bizilhão de dias!". Uma lágrima tentou escorrer do meu rosto, mas eu impedi. Sua mãe nos encarou de canto de olho. Ela tentou repreender sua irmã por escutar as conversas alheias, mas não conseguiu ficar séria até o fim. "Quem eu estou tentando enganar?" ela riu de leve, com um olhar que não combinava com o sorriso "está óbvio que ele sente a sua falta mesmo sem ouvir as conversas". Eu a encarei, sem saber se sorria ou chorava. Sem me dar tempo para pensar, ela puxou a porta do elevador para prendê-la no andar e te chamou. O som do seu nome, ali naquela ocasião, foi um baque. "Vem se despedir da sua irmã", ela completou. Não muito depois, antes que desse tempo de eu me preparar, você saiu do apartamento esfregando os olhos e parecendo confuso. "Ela já me deu um beijo antes de sair", você disse e finalmente olhou para o corredor, soltando um "ah" que mais parecia fala de história em quadrinhos. Olhou pra mim, bem dentro dos meus olhos, como não fazia há 42 dias. Seu olhar de cachorrinho que sabia que tinha feito besteira era impagável. Levei um soco no estômago, dado exclusivamente por esse olhar. Sua mãe puxou sua irmã para o elevador e elas saíram, nos deixando sozinhos no corredor comprido. Você já tinha percorrido metade do caminho até o elevador, e não se deu ao trabalho de terminar o percurso. Um gesto de cabeça e um "entra" murmurado de modo quase ininteligível. Assenti e comecei a me aproximar. Quanto mais perto da porta eu chegava, mais você entrava em casa. Até que eu entrei também, e já encostei a porta por puro hábito. Você estava abrindo a porta da varanda, mas eu vi o sorrisinho quando a lingueta da maçaneta se chocou contra a madeira. Você sempre sorria daquele jeito quando eu entrava, e eu gostava de pensar que era porque eu realmente me sentia em casa ali. Com a varanda finalmente aberta (eu sei que você sempre precisa de ar fresco quando não sabe o que fazer), você se virou para mim e perguntou se eu queria alguma coisa. Ah, como eu queria. Eu queria um milhão de coisas com você e algumas delas a gente já tinha até listado em momentos de ócio. Um chaw chaw chamado Cão e um siamês chamado Gato. Trigêmeas que tivessem os seus olhos e as minhas covinhas. Uma casa de campo. Uma casa de praia. Uma casa flutuante. Mais outros 45 tipos de casa só porque a gente não conseguia escolher. Tantas coisas que eu achava que não queria mais, mas que de repente eram necessidades do meu corpo. Olhei para você depois de um tempo em silêncio e vi que você estava com uma expressão contrariada no rosto, quase de sofrimento. Não precisou de mais um segundo pra que eu me sentisse mal por te causar aquilo. Comecei a pensar em como tinha ido parar ali. O que me levou a sair da faculdade e entrar no ônibus pra sua casa, ao invés da minha. Percebi que, na verdade, me sentia perdida.
- Eu não tenho ideia do que vim fazer aqui. - concluí.
- Eu também não.
E aquelas palavras doeram. Mal consegui murmurar um desculpa antes de disparar pela sala e abrir a porta, implorando pelo resto da minha dignidade que o elevador estivesse, pelo menos, próximo. Assim que apertei o botão, senti uma mão no meu cotovelo. Exatamente o mesmo toque que havia sentido da primeira vez que te vi, mais de dois anos antes.
- Eu também não sei - você repetiu - mas obrigada.
Não entendi de imediato o que você quis dizer. O beijo que demos naquele momento foi quem me explicou tudo.